Seguia Santos o seu curso normal de vida, e já agora com uma Fortaleza levantada na "ponta de Estevam da Costa", quando três barcos piratas da frota do almirante Thomas Cavendish surgiram no porto de Santos. Eram o Roebuck, do Capitão Cocke, o Desire, do Capitão John Davies, e o Black Pinese, do Capitão Stafford.
Cavendish corria o oceano procurando adquirir por meio de pilhagem o que havia perdido em seu país, em largas dissipações, e assim chegara à costa vicentina. Ele mesmo ficara de atalaia nas proximidades de São Sebastião, com os outros dois navios: o Leicester, do Capitão Southwell, e o Daintie, do Capitão Barker, aguardando as previsões que Cocke devia conseguir em sua descida sobre Santos e São Vicente.
Ninguém notou - O porto de Santos já era então mais opulento do que a capital e o Capitão Cocke, valendo-se da noite escura e tormentosa de 24 de dezembro de 1590, investiu a Barra e passou despercebido ante a Fortaleza de Santo Amaro, levantada pelos espanhóis, em 1584, fundeando em frente da Vila na manhã do dia 25. Ali mandou Cocke uma intimação ao pequeno Forte da Praça de Nossa Senhora do Monte Serrate, existente junto à enseada de Enguaguaçu. Que se rendesse ou seria destruído imediatamente pelos canhões da armada, já assestados.
Como havia alguns anos que a paz da Vila não era perturbada por assessores (SIC - agressores?) de mar afora, e uma grande Fortaleza agora defendia a estreita passagem do porto, desprevenidos e descuidados estavam os homens do pequeno Forte, tanto quanto os moradores de toda a vila, e, assim, nenhuma resistência foi feita aos poderosos corsários, reconhecidamente numerosos e bem armados.
Ao inútil aparato bélico apresentado contra uma população entregue ao exercício de sua devoção na matriz do Colégio, por ser hora da missa e ser dia de Natal, seguiu-se a invasão da vila pela gente desembarcada, brutal e esfomeada, e retirada da igreja, por ordem de Cocke, a parte do povo que ali se achava.
Ao invés, porém, de se proverem do acessório para abastecimento dos navios do chefe corsário, os homens de Cavendish se entregaram ao saque, ao deboche, às depredações e à orgia, provocando a fuga de quase todos os moradores, com suas mulheres e filhas, para os sítios mais próximos, para refúgios já construídos prevendo tais invasões, e até para as matas vizinhas, onde ficassem a salvo da sanha corsária.
Resistência - Onde estava a flor da possível resistência da Vila santista àquela hora? Braz Cubas, com os seus oitenta anos veneráveis, nada mais poderia produzir em sua defesa; e como lhe seria cruel sofrer tais vexames, sem possibilidade de lutar! Onde andaria seu filho, Pedro Cubas? E o rico Adorno e John Withall, Domingos Pires, e Antônio Rodrigues de Almeida e Paulo de Proença?
Os documentos não falam deles nominalmente, e que poderiam eles fazer, antigos homens de guerra, ante o ultraje da vila, a vergonha de tantas mulheres e de tantos lares? As hostes do novo Tamerlão ou Átila à solta haviam surgido de repente, sem que pudessem eles e outros varões fidalgos, da progênie valorosa de um Jorge Martins, de um Jerônimo Dias, de um Rodrigues de Almeida, dos Cubas, dos Proenças, dos Adornos, dos Ferreiras, dos Pires, dos Pintos e dos Góis, de tantos guerreiros de prol, esboçar um movimento em defesa contra os brutos ingleses.
Sabe-se hoje, por alguns documentos, que João de Abreu e Diogo de Unhate foram dois povoadores que salientíssima ação tiveram em defesa da terra, não só nesta como na invasão anterior (de Edward Fenton) e em outras de selvagens da costa, sendo que Diogo de Unhate acabou coxo e cego de um olho, em conseqüência de ferimentos recebidos em combate, tornando-se, ambos, dignos das graças do Rei, como aconteceu.
Dois meses - Sabe-se que os piratas de Cavendish ficaram em Santos durante cerca de dois meses, até fins de janeiro de 1591, atenuados os males de sua presença por intervenção eficaz daquele mesmo John Withall, genro de José Adorno, dos fatos de Edward Fenton.
A história não guardou, em suas falhas e lacunas, nem os detalhes sociais daqueles dois meses de martírio santista, nem os heroísmos daqueles homens, que, refugiados a princípio, surgiram depois, com agregados, indígenas amigos e gente do lado vicentino, em constantes sortidas e emboscadas contra os piratas instalados na vila, muitos dos quais eles fizeram ficar para sempre naquele chão entregue aos seus bródios e devassidões.
Só no dia seguinte apresentou-se Cavendish no porto de Santos, com o intuito de arrecadar o saque de que incumbira ao seu imediato e as previsões que não chegavam. A Fortaleza da entrada estava desguarnecida e assim ele entrou como em sua casa, e só encontrou uma colônia despovoada e exausta, desprovida já de tudo aquilo que ele exatamente mandara buscar, antes de mais nada. Cavendish só viu estragos e desmandos, depredações, ruínas.
Dizem os relatos que apareceram então ao chefe flibusteiro alguns indígenas da vizinhança, oferecendo-lhe aliança e coadjuvação para que ele tomasse conta da terra com o extermínio total dos portugueses, de quem haviam eles graves ofensas, já porque os tinham em escravidão, já porque lhes impunham excessivos trabalhos sob brutal tratamento e outras coisas mais de que os acusavam, traduzindo em seu gesto apenas a sua revolta.
Essa oferta, porém, foi recusada por Cavendish, cujo intento não era tomar as terras, conservá-las e defendê-las, e sim apresar navios do corso a que se havia entregue, roubando-os e queimando-os em seguida, como até ali fizeram.
Estratagemas - Cavendish, à força de embustes, ainda pretendeu fazer regressar à vila o povo que fugira para os sítios da redondeza, invocando até falsamente o nome de um rei, que, dizia ele, havia assumido o trono português, restaurando-o do poder da Espanha.
Mas, os acontecimentos de Fenton ainda estavam bem latentes no espírito da população, e, como não surtissem efeito as suas artimanhas, desenganado deste e de outros estratagemas praticados no decurso de duas ou três semanas, resolveu retirar-se de Santos com seus piratas e seus navios, anda mais desprovidos, por assim dizer, do que para ali viera, iniciando então algumas represálias contra a vila que tão inútil lhe fora, atingindo nisso também a Vila de São Vicente, termo de seus desmandos.
Foi nessa ocasião que muitos livros e documentos da primeira época santista e vicentina desapareceram, como já havia acontecido em 1534/1535 em São Vicente, citando-se, entre outros, o Livro do Tombo, onde tantas e tão preciosas cartas e escrituras se alinhavam para a posteridade, alguns devorados pelo fogo e outros dispersos pelas águas do porto e pelos matos vizinhos.
A própria imagem de Santa Catarina, que se venerava na pequena ermida que Luiz de Góis e sua mulher haviam construído junto ao outeiro de mesmo nome em 1540, foi arrancada do altar da capela e arremessada à baía de Enguaguaçu, onde permaneceria durante noventa anos, até que os pescadores santistas a colhessem numa rede pelas proximidades de 1680.
Ida e volta - Desta forma, incendiadas em partes e depredadas as duas vilas - Santos e São Vicente -, partiu Cavendish, desenganado e furioso, mar a fora, na continuação das suas carreiras marítimas, que muito depressa lhe seriam fatais.
No ano seguinte, após uma ausência de nove meses, o grande cordsário e almirante da Inglaterra, já abandonado pelos companheiros, sem o concurso de valorosos capitães corsários, descendo do Estreito de Magalhães, onde encontrara uma esquadra espanhola, voltou à barra de Santos, e, pairando ao largo, a três léguas da Vila, mandou apressadamente a terra vinte e cinco homens, ao mando dos capitães Stafford, Southwell e Barker, com ordens de, a todo transe, tomarem víveres de que tinha extrema necessidade para socorro de sua tripulação esfomeada e quase toda enferma.
Desta vez, entretanto, a postos os homens válidos de Santos, foi sua gente afrontada pela de terra, emboscada nos matos e auxiliada por indígenas agregados, e, do reencontro que houve, apenas escaparam vivos dois dos corsários, que foram levados ao recinto da vila, presos e como troféus da esplêndida vitória, acompanhando as cabeças dos companheiros mortos, fincadas em espeques apanhados no mato, levantados como estandartes, à frente do estranho cortejo.
O fim - Com este resultado desenganou-se definitivamente Cavendish de prosseguir em novas tentativas sobre as colônias de São Vicente, mas não o suficiente para renunciar, de uma vez, àquela vida de pirata, já em seus últimos lampejos, porque, fazendo-se ao mar, navegou para a costa do Espírito Santo, pondo em saque toda a costa intermediária, onde, ao que sabemos, acabou por sofrer irremediável derrota, causada por índios e portugueses conjugados, a que não pôde sobreviver; morreria na sua volta à Inglaterra, terminando assim, por força do castigo recebido, de privações e até de fome e falta de medicamentos, uma existência tão perniciosa à Nova Lusitânia e à navegação do Atlântico meridional naqueles primeiros tempos da colonização.
Um detalhe ainda. Ao abandonar o Espírito Santo, derrotado, abatido, Cavendish rumou para São Sebastião, lá deixando, na ilha, todos os enfermos e feridos da Armada, alguns dos quais já nem podiam andar. Entre esses enfermos estava Antonio Knivet, o marinheiro, que, restabelecendo-se ali, ainda realizou aventuras pelos sertões, acabando por deixar uma pequena história da sua própria vida, das vicissitudes que sofrera, das peripécias que passara, em terra e no mar, em companhia de Cavendish, conservando, para a posteridade, o melhor da intimidade do grande corsário.
Cavendish corria o oceano procurando adquirir por meio de pilhagem o que havia perdido em seu país, em largas dissipações, e assim chegara à costa vicentina. Ele mesmo ficara de atalaia nas proximidades de São Sebastião, com os outros dois navios: o Leicester, do Capitão Southwell, e o Daintie, do Capitão Barker, aguardando as previsões que Cocke devia conseguir em sua descida sobre Santos e São Vicente.
Ninguém notou - O porto de Santos já era então mais opulento do que a capital e o Capitão Cocke, valendo-se da noite escura e tormentosa de 24 de dezembro de 1590, investiu a Barra e passou despercebido ante a Fortaleza de Santo Amaro, levantada pelos espanhóis, em 1584, fundeando em frente da Vila na manhã do dia 25. Ali mandou Cocke uma intimação ao pequeno Forte da Praça de Nossa Senhora do Monte Serrate, existente junto à enseada de Enguaguaçu. Que se rendesse ou seria destruído imediatamente pelos canhões da armada, já assestados.
Como havia alguns anos que a paz da Vila não era perturbada por assessores (SIC - agressores?) de mar afora, e uma grande Fortaleza agora defendia a estreita passagem do porto, desprevenidos e descuidados estavam os homens do pequeno Forte, tanto quanto os moradores de toda a vila, e, assim, nenhuma resistência foi feita aos poderosos corsários, reconhecidamente numerosos e bem armados.
Ao inútil aparato bélico apresentado contra uma população entregue ao exercício de sua devoção na matriz do Colégio, por ser hora da missa e ser dia de Natal, seguiu-se a invasão da vila pela gente desembarcada, brutal e esfomeada, e retirada da igreja, por ordem de Cocke, a parte do povo que ali se achava.
Ao invés, porém, de se proverem do acessório para abastecimento dos navios do chefe corsário, os homens de Cavendish se entregaram ao saque, ao deboche, às depredações e à orgia, provocando a fuga de quase todos os moradores, com suas mulheres e filhas, para os sítios mais próximos, para refúgios já construídos prevendo tais invasões, e até para as matas vizinhas, onde ficassem a salvo da sanha corsária.
Resistência - Onde estava a flor da possível resistência da Vila santista àquela hora? Braz Cubas, com os seus oitenta anos veneráveis, nada mais poderia produzir em sua defesa; e como lhe seria cruel sofrer tais vexames, sem possibilidade de lutar! Onde andaria seu filho, Pedro Cubas? E o rico Adorno e John Withall, Domingos Pires, e Antônio Rodrigues de Almeida e Paulo de Proença?
Os documentos não falam deles nominalmente, e que poderiam eles fazer, antigos homens de guerra, ante o ultraje da vila, a vergonha de tantas mulheres e de tantos lares? As hostes do novo Tamerlão ou Átila à solta haviam surgido de repente, sem que pudessem eles e outros varões fidalgos, da progênie valorosa de um Jorge Martins, de um Jerônimo Dias, de um Rodrigues de Almeida, dos Cubas, dos Proenças, dos Adornos, dos Ferreiras, dos Pires, dos Pintos e dos Góis, de tantos guerreiros de prol, esboçar um movimento em defesa contra os brutos ingleses.
Sabe-se hoje, por alguns documentos, que João de Abreu e Diogo de Unhate foram dois povoadores que salientíssima ação tiveram em defesa da terra, não só nesta como na invasão anterior (de Edward Fenton) e em outras de selvagens da costa, sendo que Diogo de Unhate acabou coxo e cego de um olho, em conseqüência de ferimentos recebidos em combate, tornando-se, ambos, dignos das graças do Rei, como aconteceu.
Dois meses - Sabe-se que os piratas de Cavendish ficaram em Santos durante cerca de dois meses, até fins de janeiro de 1591, atenuados os males de sua presença por intervenção eficaz daquele mesmo John Withall, genro de José Adorno, dos fatos de Edward Fenton.
A história não guardou, em suas falhas e lacunas, nem os detalhes sociais daqueles dois meses de martírio santista, nem os heroísmos daqueles homens, que, refugiados a princípio, surgiram depois, com agregados, indígenas amigos e gente do lado vicentino, em constantes sortidas e emboscadas contra os piratas instalados na vila, muitos dos quais eles fizeram ficar para sempre naquele chão entregue aos seus bródios e devassidões.
Só no dia seguinte apresentou-se Cavendish no porto de Santos, com o intuito de arrecadar o saque de que incumbira ao seu imediato e as previsões que não chegavam. A Fortaleza da entrada estava desguarnecida e assim ele entrou como em sua casa, e só encontrou uma colônia despovoada e exausta, desprovida já de tudo aquilo que ele exatamente mandara buscar, antes de mais nada. Cavendish só viu estragos e desmandos, depredações, ruínas.
Dizem os relatos que apareceram então ao chefe flibusteiro alguns indígenas da vizinhança, oferecendo-lhe aliança e coadjuvação para que ele tomasse conta da terra com o extermínio total dos portugueses, de quem haviam eles graves ofensas, já porque os tinham em escravidão, já porque lhes impunham excessivos trabalhos sob brutal tratamento e outras coisas mais de que os acusavam, traduzindo em seu gesto apenas a sua revolta.
Essa oferta, porém, foi recusada por Cavendish, cujo intento não era tomar as terras, conservá-las e defendê-las, e sim apresar navios do corso a que se havia entregue, roubando-os e queimando-os em seguida, como até ali fizeram.
Estratagemas - Cavendish, à força de embustes, ainda pretendeu fazer regressar à vila o povo que fugira para os sítios da redondeza, invocando até falsamente o nome de um rei, que, dizia ele, havia assumido o trono português, restaurando-o do poder da Espanha.
Mas, os acontecimentos de Fenton ainda estavam bem latentes no espírito da população, e, como não surtissem efeito as suas artimanhas, desenganado deste e de outros estratagemas praticados no decurso de duas ou três semanas, resolveu retirar-se de Santos com seus piratas e seus navios, anda mais desprovidos, por assim dizer, do que para ali viera, iniciando então algumas represálias contra a vila que tão inútil lhe fora, atingindo nisso também a Vila de São Vicente, termo de seus desmandos.
Foi nessa ocasião que muitos livros e documentos da primeira época santista e vicentina desapareceram, como já havia acontecido em 1534/1535 em São Vicente, citando-se, entre outros, o Livro do Tombo, onde tantas e tão preciosas cartas e escrituras se alinhavam para a posteridade, alguns devorados pelo fogo e outros dispersos pelas águas do porto e pelos matos vizinhos.
A própria imagem de Santa Catarina, que se venerava na pequena ermida que Luiz de Góis e sua mulher haviam construído junto ao outeiro de mesmo nome em 1540, foi arrancada do altar da capela e arremessada à baía de Enguaguaçu, onde permaneceria durante noventa anos, até que os pescadores santistas a colhessem numa rede pelas proximidades de 1680.
Ida e volta - Desta forma, incendiadas em partes e depredadas as duas vilas - Santos e São Vicente -, partiu Cavendish, desenganado e furioso, mar a fora, na continuação das suas carreiras marítimas, que muito depressa lhe seriam fatais.
No ano seguinte, após uma ausência de nove meses, o grande cordsário e almirante da Inglaterra, já abandonado pelos companheiros, sem o concurso de valorosos capitães corsários, descendo do Estreito de Magalhães, onde encontrara uma esquadra espanhola, voltou à barra de Santos, e, pairando ao largo, a três léguas da Vila, mandou apressadamente a terra vinte e cinco homens, ao mando dos capitães Stafford, Southwell e Barker, com ordens de, a todo transe, tomarem víveres de que tinha extrema necessidade para socorro de sua tripulação esfomeada e quase toda enferma.
Desta vez, entretanto, a postos os homens válidos de Santos, foi sua gente afrontada pela de terra, emboscada nos matos e auxiliada por indígenas agregados, e, do reencontro que houve, apenas escaparam vivos dois dos corsários, que foram levados ao recinto da vila, presos e como troféus da esplêndida vitória, acompanhando as cabeças dos companheiros mortos, fincadas em espeques apanhados no mato, levantados como estandartes, à frente do estranho cortejo.
O fim - Com este resultado desenganou-se definitivamente Cavendish de prosseguir em novas tentativas sobre as colônias de São Vicente, mas não o suficiente para renunciar, de uma vez, àquela vida de pirata, já em seus últimos lampejos, porque, fazendo-se ao mar, navegou para a costa do Espírito Santo, pondo em saque toda a costa intermediária, onde, ao que sabemos, acabou por sofrer irremediável derrota, causada por índios e portugueses conjugados, a que não pôde sobreviver; morreria na sua volta à Inglaterra, terminando assim, por força do castigo recebido, de privações e até de fome e falta de medicamentos, uma existência tão perniciosa à Nova Lusitânia e à navegação do Atlântico meridional naqueles primeiros tempos da colonização.
Um detalhe ainda. Ao abandonar o Espírito Santo, derrotado, abatido, Cavendish rumou para São Sebastião, lá deixando, na ilha, todos os enfermos e feridos da Armada, alguns dos quais já nem podiam andar. Entre esses enfermos estava Antonio Knivet, o marinheiro, que, restabelecendo-se ali, ainda realizou aventuras pelos sertões, acabando por deixar uma pequena história da sua própria vida, das vicissitudes que sofrera, das peripécias que passara, em terra e no mar, em companhia de Cavendish, conservando, para a posteridade, o melhor da intimidade do grande corsário.
Natal de Sangue de Thomas Cavendish, descrevendo os mesmos fatos mas com data de 25/12/1591. A contradição das datas não foi percebida naquela obra.
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PIRATAS
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PIRATAS
Um ataque dos piratas na noite de Natal - IIQuando o corsário Thomas Cavendish esteve em Santos, em 1588/90/91 (*)Gustavo Barroso, em artigo jornalístico, sob o título Natal de Sangue de Thomas Cavendish, diz:
Naquele dia de Natal do ano da graça de 1591, três navios de velas desfraldadas ao sopro do vento entraram no porto de Santos. Os moradores da Vila enchiam as igrejas, ouvindo as missas e sermões da grande festa cristã. De repente, o estrondo da artilharia os encheu de espanto e os lançou em confusão. Ao mesmo tempo, as embarcações miúdas daquela frota despejavam na praia bandos de homens armados de mosquetes e piques, que, soltando gritos espantosos, foram matando quem esboçava a menor resistência, invadindo as casas, saqueando-as, apoderando-se também da Casa da Câmara e ocupando as posições convenientes para dominar a povoação. Eram, na maioria, ruivos, de olhos azuis, grandalhões e barbudos.
E um clamor correu de boca em boca por toda a população espavorida:
- Os piratas ingleses!
Pertenciam os três barcos à esquadra do famoso ladrão do mar Thomas Cavendish. (...)
Cavendish era natural de Trimby, na Grã-Bretanha, e recebera patente de corsário da Rainha Elisabeth, inimiga figadal do Império Espanhol, sob cujo domínio se encontravam Portugal e o Brasil quando atacou Santos. (...)
Aqui permaneceu cerca de dois meses, tiranizando a população, roubando o que podia roubar, depredando e queimando os engenhos dos arredores. Depois, navegou para o Sul, levando os porões atestados de riquezas. Mas parece que o fato de haver atacado a indefesa povoação brasileira, naquele dia santificado do Natal de 1591, trouxe para ele e seus principais capitães uma verdadeira maldição.
É verdade que, para Cavendish, o assalto não fora cometido pelo Natal, que os ingleses respeitam e celebram tradicionalmente; porque em 1591 já haviam os portugueses adotado o calendário da chamada Reforma Gregoriana, e, enquanto para eles (na Inglaterra) era ainda o dia 15, para os portugueses (de Santos) já era o dia 25 (de Natal). Aliás, os ingleses somente viriam a aceitar e adotar essa modificação cronológica, tardiamente, no ano de 1752.
Colégio dos Jesuítas (esquerda) e Igreja Matriz (direita)Imagem: tela de Benedito Calixto
Segundo o relato de Knivet, que é o mais detalhado, estavam todos na Igreja Matriz, entre as 300 pessoas que lá se achavam, comemorando o Natal, sendo retidos e detidos no templo, enquanto os ingleses saqueavam a Vila. Mais tarde, realizado o primeiro saque e reunidas as forças invasoras, o povo, que se achava na igreja, recebeu ordem de abandoná-la, continuando detidos apenas "sete ou oito" dos principais. É evidente que esses 7 ou 8 deveriam ser 20 ou 30, dos mais ricos, importantes e mais capazes de lutar em defesa da terra. Aí estariam então, nesse meio, aqueles que citamos, e que o Natal, com o seu feriado e suas festas especiais, tornara indefesos e inúteis em tal situação.
Conta ainda Knivet que, por haver demorado o saque, muitos moradores haviam conseguido safar-se da vila, e esconder-se com seus dinheiros e valores. Ele, Knivet, tivera ordem para dormir no Convento (dos jesuítas), e ali achara um caixote com 1.700 piastras de ouro (350 esterlinos).
Naquele dia de Natal do ano da graça de 1591, três navios de velas desfraldadas ao sopro do vento entraram no porto de Santos. Os moradores da Vila enchiam as igrejas, ouvindo as missas e sermões da grande festa cristã. De repente, o estrondo da artilharia os encheu de espanto e os lançou em confusão. Ao mesmo tempo, as embarcações miúdas daquela frota despejavam na praia bandos de homens armados de mosquetes e piques, que, soltando gritos espantosos, foram matando quem esboçava a menor resistência, invadindo as casas, saqueando-as, apoderando-se também da Casa da Câmara e ocupando as posições convenientes para dominar a povoação. Eram, na maioria, ruivos, de olhos azuis, grandalhões e barbudos.
E um clamor correu de boca em boca por toda a população espavorida:
- Os piratas ingleses!
Pertenciam os três barcos à esquadra do famoso ladrão do mar Thomas Cavendish. (...)
Cavendish era natural de Trimby, na Grã-Bretanha, e recebera patente de corsário da Rainha Elisabeth, inimiga figadal do Império Espanhol, sob cujo domínio se encontravam Portugal e o Brasil quando atacou Santos. (...)
Aqui permaneceu cerca de dois meses, tiranizando a população, roubando o que podia roubar, depredando e queimando os engenhos dos arredores. Depois, navegou para o Sul, levando os porões atestados de riquezas. Mas parece que o fato de haver atacado a indefesa povoação brasileira, naquele dia santificado do Natal de 1591, trouxe para ele e seus principais capitães uma verdadeira maldição.
É verdade que, para Cavendish, o assalto não fora cometido pelo Natal, que os ingleses respeitam e celebram tradicionalmente; porque em 1591 já haviam os portugueses adotado o calendário da chamada Reforma Gregoriana, e, enquanto para eles (na Inglaterra) era ainda o dia 15, para os portugueses (de Santos) já era o dia 25 (de Natal). Aliás, os ingleses somente viriam a aceitar e adotar essa modificação cronológica, tardiamente, no ano de 1752.
Colégio dos Jesuítas (esquerda) e Igreja Matriz (direita)Imagem: tela de Benedito Calixto
Segundo o relato de Knivet, que é o mais detalhado, estavam todos na Igreja Matriz, entre as 300 pessoas que lá se achavam, comemorando o Natal, sendo retidos e detidos no templo, enquanto os ingleses saqueavam a Vila. Mais tarde, realizado o primeiro saque e reunidas as forças invasoras, o povo, que se achava na igreja, recebeu ordem de abandoná-la, continuando detidos apenas "sete ou oito" dos principais. É evidente que esses 7 ou 8 deveriam ser 20 ou 30, dos mais ricos, importantes e mais capazes de lutar em defesa da terra. Aí estariam então, nesse meio, aqueles que citamos, e que o Natal, com o seu feriado e suas festas especiais, tornara indefesos e inúteis em tal situação.
Conta ainda Knivet que, por haver demorado o saque, muitos moradores haviam conseguido safar-se da vila, e esconder-se com seus dinheiros e valores. Ele, Knivet, tivera ordem para dormir no Convento (dos jesuítas), e ali achara um caixote com 1.700 piastras de ouro (350 esterlinos).
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